Primavera das Liberdades

Aromas, Sussurrares, Lantejolas, Marionetas, Curvo, Respeito, Volátil, Surrupiar, Voar, Amar e Ser Imperfeito... Tudo o quanto posso... Tudo o quanto devo...

Friday, June 30, 2006

Uma frase



(vi uma frase numa peça de teatro: "Por uma Noite", que era mais ou menos assim:

"Nos relacionamentos, perdemos o tempo a ser obcessivos com alguém que realmente não gostamos."

A falta de jeito

Decidamente, não tenho mesmo jeito para lidar com as pessoas,
que acabaram de perder algum familiar.
As palavras soam mal, não sei o dizer, o que fazer...
Vejamos o que realmente tem acontecido:
Tinha cerca de nove anos. Toca o telefone. Atendo.
- "Olá tia Nini!( não é minha tia, era uma senhora que me viu nascer. Foi minha vizinha, enquanto eu e os meus pais morámos no Campo Grande.)
- "Olá Guidinha! Olha só vos telefonei para dizer, que o meu marido morreu" ( pobre mulher, disse isto a chorar).
E eu, na minha pura inocência, aliás, no meu alto ridículo disse em tom decadente:
- " Ai, Ai...DESCULPE!"

Guida a sério, "desculpe"? Quem és tu trapalhona? Apartir daí chego a ter medo de abrir a boca. Chego a fazer um guião e a ensair aquilo que vou dizer. Não gosto. Não gosto mesmo disto.Reparem, não tenho um sentimento de indiferença pelas pessoas, simplesmente bloqueio com as suas dores.

Aconteceu outro caso, que foi de bradar ao muros dos lamentos.
Tava a chegar a casa, e á porta da entrada estavam duas vizinhas. Pergunto, delicadamente, a uma delas:
- "Então vizinha, o sr. Silva (esposo da senhora) está melhorzinho?"
Entretanto, vejo a cara da outra vizinha. Olhava para mim com fogo nos olhos, acabara de me delaminar as minhas pestanas. Terrível!
- " O meu marido faleceu, já á uma semana..."
OK. Fiquei sem palvras.
...
Continuo sem palavras...

Mas não é tudo. Talvez percebam agora esta minha fobia, quando contar a seguinte passagem da minha vida.
Eram nove horas da manhã. Ía a caminho da primária. De repente, mas mesmo muito de repente, vejo uma senhora a correr na minha direcção, aos gritos. Mas daqueles gritos, que são como facas afiadas, e que chegam a transpôr o teu corpo. Gritos de sofrimento. E diz- me:
- "Menina..., menina ( mesmo assim a senhora foi querida, porque na eu parecia tudo, menos menina. Na altura o meu cabelo, tinha tipicamente um corte á rapaz, e as roupas, meus amigos, eram, tipícamente, "out".)
Mas continuando...
- "Menina..., menina, por favor ajude-me, ajuda-me por favor, o meu marido morreu, por favor ajude-me a vesti-lo"


Vesti-lo???? Não estava, nem fiquei em mim! Vesti-lo? Eu era uma miúda, tinha seis, sete anos, tinha medo da morte, sonhava muitas vezes com cemitérios. Vesti-lo?
A dor da senhora doía me. Mas eu não podia, ou podia?

Não sei. Foi horrível!

Wednesday, June 28, 2006

Espaço dedicado a Eugénio de Andrade




Passo a citar um texto de Eugénio Andrade, registado no seu livro de poemas: "Os Amantes sem Dinheiro". Apesar da sua ausência, pelo menos fisíca, Eugénio de Andrade perpertuar-se-á, através da sua obra marcada por uma saudade, que ainda hoje se manisfesta entre nós.

Ó Mãe, Mãe...

"É todo um mundo confuso de penetração difícil, tanto mais difícil quanto mais pretendo pô-lo claro, transparente. Não sei se houve primeiro lágrimas ou o som do harmónio. Em todo o caso lembro-me de duas casa - uma na Eira, outra no Adro. Sei que as lágrimas e as estrelas eram na casa da Eira e a música do harmónio na casa do Adro.Minha mãe disse-me que nasci na casa do Adro, e só um pouco mais tarde, quando a família a abandonou de todo, nos mudámos para a casa da Eira. Ambas eram casas pequenas, térreas, com duas divisões, mais que suficientes para mãe e filho viverem. Ainda há poucos anos vi essas casitas onde eu e a minha mãe começámos a ser um do outro, e pareceram-me incrivelmente pequenas, mais pequenas que certas salas de brinquedos que os meninos ricos têm na cidade.Em frente da porta de entrada havia uma arca enorme. Sei que nessas arcas arrumam os pobres tudo o que têm: a roupa do corpo, a roupa da cama, o milho para moer, o pão e faca embrulhados num pano linho grosseiro. Lembro-me do cheiro que sai da arca ao abrir - é um cheiro forte, são, de frutos naturais que a terra dá.Ora um dia, quando me aproximei da arca - sabe-se lá para dar a entender a minha mãe que queria pão - estava lá em cima uma coisa que nunca tinha visto. Em bicos de pé, deitei-lhe a mão e puxei. Então o que aconteceu foi maravilhoso: de dentro saíu um som bonito, mais bonito ainda do que a voz de minha mãe, que certamente eu já ouvira cantar. E talvez não, talvez eu não tivesse ouvido ainda minha mãe a cantar. Minha mãe era nesse tempo uma mulher triste.Da casa da Eira só me lembro do quartito que se seguia à cozinha. Um tabique separava-nos da casa da Ti Ana, uma velhota a quem a minha mãe às vezes me deixava a guardar. Foi nesse quarto que a minha mãe me ensinou a rezar:

Senhora Sant`Ana,
tapai-me cum véu,
que sou pequenino,
levai-me prò céu.

Mas eu gostava mais de me meter com a velhota do que das orações:
- Ó Ti Ana! Ti Ana!Faça-me um favor!
- Que é? - perguntava a boa mulher, fingindo ignorar a resposta:
- Empreste-me a sua pele para fazer um tambor!

Mas isso foi bastante depois. Antes das orações e das brincadeiras com a Ti Ana, lembro-me das lágrimas. Nunca mais voltei a chorar assim.Certa manhã acordei sozinho em casa. Acordei a chorar. - Ó mãe, mãe... - Mas a mãe não vinha. Não havia mãe. Havia só porta fechada, - Ó mãe, mãe... - E a casa deserta. Pelas frinchas largas da porta via a manhã lá fora. Era uma manhã de sol quente talvez de Julho, talvez de Agosto. Devia haver medas de palha na eira em frente. Mas os meus olhos mal viam, estavam rasos de água e de angústia. - Ó mãe, mãe... - E de repente, na manhã clara, começaram a cair estrelas pequeninas, estrelas verdes, vermelhas, estrelas de oiro. As lágrimas caíam-me pela cara. - Ó mãe, mãe... - O nariz esmagado contra a porta, os olhos muito abertos, vendo através da frinchas as estrelas caindo, umas atrás das outras. - Ó mãe, mãe...E ninguém me abriu a porta para apanhar as estrelas. Nem mesmo tu, mãe, que a essas horas andavas a ganhar o pão para a boca daquele que hoje te oferece estes versos."



Não foi em vão que escolhi este texto. Certo dia, da minha eterna pequenez, acordei a chorar. Tinha tido um pesadelo. O certo, é que acordei a chamar pela a minha mãe, "mas a mãe não vinha, não havia mãe". Chorei, voltei a chorar...e doía tanto, tanto, tanto, que chegava ser dor que doía á própria dor. Minha Mãe tinha ido trabalhar.
Amo-te muito Mãe.




Tuesday, June 27, 2006

Som Atónito

O planeger daquela Guitarra,
A planitude daquele toque,
deixou em mim...
um sorumbático estranho burburinho.
Ente lábios e lábias,
Que lábil e breve
eras tu...
Que ao Vento do Norte pedias...
que fosses o ladro,
do meu coração.
Lacrei tudo e um tanto mais,
porque...
ceguei ( quem não cegaria com aquela labareda ofuscante?)
Talvez ninguém...
Talvez eu quizesse, doidamente,
ser tocada, desejada, usada
por aquela Guitarra.
Talvez o som que saía dela,
era música que eu nunca tinha escutado,
(música do harmónio)
Mas um dia...
(como natural)
cansei me de ouvir sempre o mesmo compasso,
Ah...
Mas continuo Feliz,
porque no caderno de notas,
ainda há tanta clave de sol por tocar...

Descortinar

Tenho saudades daquilo não vivi, daquilo que não amei,
daquilo que nem me lembro...
Estes últimos tempos têm sido avassaladores, sem tréguas...
É como se eu fosse um pássaro com as penas caídas,
presa na terra e longe do céu, longe de...estar perto...
Arre... que nervos!
Que perturbação galopante, ensinuante e tão pouco atenuante,
que me percorre as veias, as artérias...como se os músculos,
involuntáriamente, palpitassem a cada segundo, a cada instante...
(suspiro)
Suspiro porque...
Foram tantos os planos,
os mesmos que as encruzilhadas,
e os mesmos que as insónias...
Tudo derrete-se, até mesmo, o ouro dos meus sonhos.
Sinto a clareza velada do que me resta..
E ao mesmo tempo, aquela incerteza...
Descortinando, o Tudo ou o Nada!